quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Edição

Romeu: Ó meu amor! querida esposa! A morte que sugou todo o mel de teu doce hálito poder não teve em tua formosura. Não; conquistada ainda não foste; a insígnia da beleza em teus lábios e nas faces ainda está carmesim, não tendo feito progresso o pálido pendão da morte. Ah! querida esposa, por que ainda és tão formosa? Pensar devo que a morte insubstancial se apaixonasse de ti e que esse monstro magro e horrível para amante nas trevas te conserve? Com medo disso, ficarei contigo, sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite; aqui desejo permanecer, com os vermes, teus serventes. Aqui, sim, aqui mesmo fixar quero meu eterno repouso, e desta carne lassa do mundo sacudir o jugo das estrelas funestas. Olhos, vede mais uma vez; é a última. Um abraço permiti-vos também, ó braços! Lábios, que sois a porta do hálito, com um beijo legítimo selai este contrato sempiterno com a morte exorbitante. Vem, condutor amargo! Vem, meu guia de gosto repugnante! Ó tu, piloto desesperado! lança de um só golpe contra a rocha escarpada teu barquinho tão cansado da viagem trabalhosa. Eis para meu amor.
(Bebe.)
Ó boticário veraz e honesto! tua droga é rápida. Deste modo, com um beijo, deixo a vida.
(Morre.)


(Julieta desperta.)
Julieta: Que vejo aqui? Um copo bem fechado na mão de meu amor? Certo: veneno foi seu fim prematuro. Oh! que sovina! Ó Romeu! Querido ex-afeto, que agora que me provaste que realmente me amava, a ponto de dar cabo de tua vida e tua juventude, me fizeste perder o interesse! Por que não me deixaste morrer como a heroína, morrer com a incerteza, alimento precípuo de toda paixão, carnal e metafísica? Por que, ganancioso e atroz, roubaste todo o ardor de minha chama, dissimulando que não me percebia viva, só para, estrela maior, transformar-se em Vênus no céu dos amantes! Como és nefasto! Eu, que pelas trevas eternas caminharia, que havia de me ver com Caronte, vejo-me lançada ao enfado de um existir sem tragédias! Quiseste tudo para ti, provaste ser o amor egoísta e macabro! Delicia-se apenas no que sentes, pois que bem me farias, aniquilando-se? Eis que com isso condenaste-me a ter a maior das epifanias! Que aquilo com que enchemos os punhos, as bocas e os corações para clamar - AMOR! - é não mais que uma busca por um sentido para toda essa monotonia! Mergulhamos em um mar desconhecido de sensações que muito bem conhecemos,  unicamente por nós mesmos e, incapazes de nos admitirmos tão simplórios, tatuamos os atos de loucura como nobres!

(Julieta levanta, morta, sai e vive.)

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