sábado, 20 de agosto de 2011

Se a gente soubesse se amar direito

Se a gente soubesse se amar direito, tinha o mundo todo pra ver. E eu viajava com você pra todas as capitais do mundo, e até pras casas de campo das não-capitais (eu, que sempre preferi com você os momentos sozinhos), sem o barulho dos computadores e das pessoas pra interferir nas nossas ondas. E tomaríamos cafés que, embora não preparados com a dedicação quase servil com que temperávamos nossas comidas e costumes, iam ter gosto de manhãs de comercial de margarina. Se a gente soubesse se amar direito, morena, eu subia na pedra mais alta pra ouvir você desesperada chamando meu nome pra eu não cair (como se todo dia com você não fosse uma grande altura de onde posso me espatifar, sem volta). Eu saía correndo, cantando, em voz lírica feminina, o maior agudo já ouvido, até quebrar os copos sem que precisassem ser jogados pelas paredes. Minha loucura na tua sanidade, sempre brigando em queda de braço, como se algum dia fosse sair algum vencedor - e não dois perdedores. Mas ai de mim, que queria me ver teu escravo branco, que queria te servir e te cuidar, como se vivesses doente. E quando nossos olhos se encontrassem, naquele mundo paralelo dos amantes, e a existência toda das coisas fosse esquecida no teu eclipse, eu nem precisava dizer aquilo que digo quando quero que digas de volta, só pra ter a certeza de que não estou sozinho nesse abismo pra onde resolvi caminhar - e mesmo que estivesse, o que faria eu, agora que a gravidade já me tem inteiro?
Vamos festejar o carnaval, vamos ir a cinemas e festas pras quais não fomos convidados, vamos andar de bicicleta? Vamos ver o pôr-do-sol, caminhar de mãos dadas? Vamos morar em Várzea das moças, onde os mercadinhos são horrivelmente caros e vamos reclamar do preço dos mercadinhos? Vamos viver num barraco com um violão - ou violino, apesar de, confesso, precisarmos de algumas aulas. Vamos dar beijinhos sem compromisso quando acordarmos, ainda sem nem estarmos acordados, depois de dormir de conchinha, mesmo os dois odiando conchinhas? E vamos catar conchinhas na praia, como colecionadores de momentos, odiando praias? Vamos nos embriagar de vodca e deixar a embriaguez natural do que sentimos sair, sem esses talvez-será-que-mas-e-se-depois? Vamos remoer mágoas já remoídas até elas virarem pó e saírem voando com o vento? Vamos beber muita pinga e se bater e se xingar e se odiar se amando? Ah, morena, vamos ser felizes?
Se a gente soubesse se amar direito, aprendia a disfarçar que precisava de mais coisa pra ser completo. E ia pro trabalho, e ia ler, e ia se divertir com os amigos, só pra fingir que não quer estar o tempo todo junto. E se o outro percebesse, uma manobra de heimlich ou uma grosseria estrategicamente posicionada só pra voltar com o clima de inverno da paixão - que primavera o ano todo enjoa. Sabes que sou louco por ti. Não, sabes que sou louco, do "por ti" ainda duvidas, como quem duvida da própria existência ou questiona como um filósofo a natureza dos objetos - objetos que estão ali, bem na fuça. Monto peças de teatro, na cabeça e na vivência, só pra te tirar da dormência de uma vida sem essência. Mas a gente não sabe se amar direito, sabe, morena? A gente se ama que nem bicho, com patadas e hormônios, em rodopios e carnificina. Tu, minha viúva-negra-louva-a-deus, matas teu amante fênix todo dia, só pelo espetáculo de ver o renascimento pelas cinzas. Quantos beijos-alados que fogem, quantas mãos se desencontrando, quanta comunicação sem dizer nada! 
Se a gente soubesse se amar direito, morena, fazia igualzinho a gente faz, que o certinho é muito monótono. 

3 comentários:

  1. Que bonito isso, cara.
    Não costumo comentar nos textos que eu vejo por aí porque acho a maioria um dramalhão injustificável. Mas, apesar de dramático, tu escreve com sinceridade e consciência do que tá fazendo.
    Li os outros posts também. Parabéns por começar tão bem o blog.

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  2. Olá, Gostaria de convidá-lo a conhecer o meu remodelado blog de textos literários pessoais!
    Ficaria muito grato com a sua pequena ajuda na divulgação do mesmo.
    Boas Leituras,
    O Relojeiro.

    http://relogiosemponteiros.blogspot.com/

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