quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Por andarem tão distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, que de levíssima nada tinha. O peso do concreto lhes tirara os sonhos e o que restava em ambos aproximava-se em seu embaraço e desconforto de uma sensação de ressaca, de diversão pós-contida. Respiravam já com dificuldade, os suspiros tornaram-se bufos de rancor perceptíveis apenas àqueles que conheciam a inconveniência de um alimento mal ruminado.
Andavam por ruas nuas cinzentas, despidas do colorido fugaz de tudo que se inicia. Conversas, já não as tinham. O silêncio parecia mais do que suficiente: adequado. Silenciavam-se na esperança de que o outro cedesse, de que a culpa da desistência caísse sobre a outra parte. E por causa das pessoas ao redor (como odiavam essas multidões e preferiam cultivar seus medos e fracassos em casa), se esbarravam, de leve. Cada toque gerava mais ódio - e não um ódio mórbido e simples, mas um ódio odioso de lembranças. Aquele toque que um dia causara arrepios e fora por si só todos os votos matrimoniais, hoje frio e casual.

Como odiavam estarem juntos!

E aquele sentimento tão intenso de ruim talvez fosse tudo o que tivessem e por isso não o abandonavam. "Por que não se deixar ir?" era o que todo dia se perguntavam, sem vislumbre de resposta. As perguntas sobre os erros já nem mais existiam. A culpa era do acaso, dos ocasos românticos que nunca passaram de promessas.
Tudo parecia certo, fizeram todo o planejado. Um casamento feliz, seus filhos bem-sucedidos. Perderam-se em um mapa bem delineado, em uma vida tão imperfeita em sua perfeição.
Ela, que talvez nunca tivesse estado ali. Ele, que nunca a procurou e, se procurasse, encontraria nada mais que uma sombra da mulher que julgara possuir. Tudo acertou, porém eles erraram. Foram então aprender que, distraídos demais, pode-se viver, sim, viver a tal ponto que não se tem retorno. Tudo porque, inconscientemente gentis e sociais, não se ouviam. Tudo se transformou em sim e, sem o não, não se tem voz.
E havia a grande poeira das ruas, a poeira que lhes impedia a visão. E havia o tráfego intenso. E havia um semáforo escondido em seus devaneios. E, mais uma vez distraídos, atravessaram, com passos duros. E houve a tragédia.

E naquele momento, olhando-a no chão, com seu arfar que nada mais tinha de mágoa, com seus olhos cheios do vazio e suas mãos já fracas para se segurar em uma nova esperança de vida - como ele a amava. E como ele sempre a amaria.

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